Dores nas costas, sono, tristeza, vontade de voltar para casa, de se afastar da família, o que pode ser isso? Um artigo antigo sobre as novas mudanças…
Marcia Angell[1] (publicado na edição 59 da revista brasileira Piauí) - 01/10/2011
Mais evidências de como a indústria farmacêutica manipula as
pesquisas visando o lucro com grave prejuízo das pessoas. Este
texto vai discutir como a doença mental se instalou na nossa
sociedade actual e por que razão está em franca expansão. Cita
autores que tecem críticas ferozes e que problematizam a
indústria dos laboratórios farmacêuticos. Mas aqui, é
apresentado um trecho que discute a questão da infância.
Segue-se o texto original:
“A
indústria farmacêutica influencia os psiquiatras a receitarem
drogas psicoactivas até mesmo a pacientes para os quais os
medicamentos não foram considerados seguros e eficazes. O que
deveria preocupar enormemente é o espantoso aumento do
diagnóstico e tratamento de doenças mentais em crianças, algumas
com apenas 2 anos de idade. Essas crianças muitas vezes são
tratadas com medicamentos que nunca foram aprovados pela FDA
para uso nessa faixa etária, e têm efeitos colaterais graves. A
prevalência de “transtorno bipolar juvenil” aumentou quarenta
vezes entre 1993 e 2004, e a de “autismo” aumentou de 1 em cada
500 crianças para 1 em 90 ao longo da mesma década. Dez por
cento dos meninos de 10 anos de idade tomam agora estimulantes
diários para o transtorno de deficit de atenção/hiperactividade.
Seria muito difícil
encontrar uma criança de 2 anos que não seja às vezes irritante,
um menino de 5ª série que não seja ocasionalmente desatento, ou
uma menina no ensino médio que não seja ansiosa. Rotular essas
crianças como tendo um transtorno mental e tratá-las com
medicamentos depende muito de quem elas são e das pressões que
os seus pais enfrentam.
Como as famílias de
baixos rendimentos estão a passar por dificuldades económicas
crescentes, muitas descobriram que o pedido de renda de seguro
suplementar com base na invalidez mental é a única maneira de
sobreviverem. Segundo um estudo da Universidade Rutgers,
descobriu-se que crianças de famílias de baixa renda têm quatro
vezes mais probabilidade de receber medicamentos antipsicóticos
do que crianças com plano de saúde privado. […] no mínimo,
precisamos parar de pensar que as drogas psicoactivas são o
melhor e, muitas vezes, o único tratamento para as doenças
mentais. Tanto a psicoterapia como os exercícios físicos se têm
mostrado tão eficazes quanto os medicamentos para a depressão, e
os seus efeitos são mais duradouros. Mas, infelizmente, não
existe indústria que promova essas alternativas. São necessárias
mais pesquisas para estudar alternativas às drogas psicoactivas.
Em particular, precisamos repensar o tratamento das crianças.
Nesse ponto, muitas vezes o problema é uma família perturbada em
circunstâncias conturbadas. Tratamentos voltados para essas
condições ambientais – como auxílio individual para pais ou
centros pós-escola para as crianças – devem ser estudados e
comparados com o tratamento farmacológico.”
Porque cresce assombrosamente o número de pessoas com
transtornos mentais e de pacientes tratados com antidepressivos
e outros medicamentos psicoactivos?
Parece que os americanos estão no meio de uma violenta epidemia
de doenças mentais. A quantidade de pessoas incapacitadas por
transtornos mentais e com direito a receber a renda de seguro
suplementar ou o seguro por incapacidade, aumentou quase duas
vezes e meia entre 1987 e 2007 – de 1 em cada 184 americanos
passou para 1 em 76.
No que se refere às crianças, o número é ainda mais espantoso:
um aumento de 35 vezes nas mesmas duas décadas. A doença mental
é hoje a principal causa de incapacitação das crianças, bem à
frente de deficiências físicas como a paralisia cerebral ou a
síndrome de Down.
Um grande estudo de adultos (seleccionados aleatoriamente),
patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, realizado
entre 2001 e 2003, descobriu que uma percentagem assombrosa de
46% se encaixava nos critérios estabelecidos pela Associação
Americana de Psiquiatria, por ter tido em algum momento das suas
vidas pelo menos uma doença mental, entre quatro categorias.
As categorias seriam “transtornos de ansiedade”, que incluem
fobias e stress pós-traumático; “transtornos de humor”, como
depressão e transtorno bipolar; “transtornos de controlo dos
impulsos”, que abrangem problemas de comportamento e de deficit
de atenção/hiperactividade; e “transtornos causados pelo uso de
substâncias”, como o abuso de álcool e drogas. A maioria dos
pesquisados encaixava-se em mais que um diagnóstico.
O tratamento médico desses transtornos implica quase sempre o
uso de drogas psicoactivas, os medicamentos que afectam o estado
mental. Na verdade, a maioria dos psiquiatras usa apenas
remédios no tratamento e encaminha os pacientes para psicólogos
ou terapeutas se acha que uma psicoterapia é igualmente
necessária.
A substituição da “terapia de conversa” pela das drogas como
tratamento maioritário coincide com o surgimento, nas últimas
quatro décadas, da teoria de que as doenças mentais são causadas
por desequilíbrios químicos no cérebro, que podem ser corrigidos
pelo uso de medicamentos. Essa teoria passou a ser amplamente
aceite pelos média e pelo público, bem como pelos médicos,
depois de o Prozac ter chegado ao mercado, em 1987, e foi
intensamente divulgado como um correctivo para a deficiência de
serotonina no cérebro.
O número de pessoas depressivas tratadas triplicou nos dez anos
seguintes e, hoje, cerca de 10% dos americanos com mais de 6
anos de idade toma antidepressivos. O aumento do uso de drogas
para tratar a psicose é ainda mais impressionante. A nova
geração de antipsicóticos, como o Risperdal, o Zyprexa e o
Seroquel, ultrapassou os redutores do colesterol no topo da
lista de remédios mais vendidos nos Estados Unidos.
O que está a acontecer? A preponderância das doenças mentais
sobre as físicas é de facto tão alta, e continua a crescer? Se
os transtornos mentais são biologicamente determinados e não um
produto de influências ambientais, é plausível supor que o seu
crescimento seja real? Ou será que estamos a aprender a
diagnosticar transtornos mentais que sempre existiram? Ou, por
outro lado, será que simplesmente ampliamos os critérios para
definir as doenças mentais, de modo a que agora quase toda a
gente sofre de uma delas? E o que dizer dos medicamentos que se
tornaram a base dos tratamentos? Eles funcionam? E, se
funcionam, não deveríamos esperar que o número de doentes
mentais estivesse em declínio e não em ascensão?
Estas são as questões que preocupam os autores de três livros
provocativos, aqui analisados. Eles vêm de diferentes formações:
Irving Kirsch é psicólogo da Universidade de Hull, no Reino
Unido; Robert Whitaker é jornalista; e Daniel Carlat é
psiquiatra-clínico num subúrbio de Boston.
Os autores enfatizam diferentes aspectos da epidemia de doença
mental. Kirsch está preocupado em saber se os antidepressivos
funcionam. Whitaker pergunta se as drogas psicoactivas não criam
problemas piores do que aqueles que resolvem. Carlat examina
como a sua profissão se aliou à indústria farmacêutica e é
manipulada por ela. Mas, apesar das suas diferenças, os três
estão de acordo sobre algumas questões importantes.
Em primeiro lugar, concordam que é preocupante a extensão com a
qual as empresas que vendem drogas psicoactivas – por meio de
várias formas de marketing, tanto legal como ilegal, e usando o
que muita gente chamaria de suborno – passaram a determinar o
que constitui uma doença mental e como os distúrbios devem ser
diagnosticados e tratados.
Em segundo lugar, nenhum dos três aceita a teoria de que a
doença mental é provocada por um desequilíbrio químico no
cérebro. Whitaker conta que essa teoria surgiu pouco depois de
os remédios psicotrópicos terem sido introduzidos no mercado, na
década de 50. O primeiro foi o Amplictil (clorpromazina),
lançado em 1954, que rapidamente passou a ser muito usado em
hospitais psiquiátricos, para acalmar pacientes psicóticos,
sobretudo com esquizofrenia. No ano seguinte, chegou o Miltown (meprobamato),
vendido para tratar a ansiedade em pacientes ambulatórios. Em
1957, o Marsilid (iproniazid) entrou no mercado como um
“energizador psíquico” para tratar a depressão.
Deste modo, no curto espaço de três anos, tornaram-se
disponíveis medicamentos para tratar aquelas que, na época, eram
consideradas as três principais categorias de doença mental –
ansiedade, psicose e depressão – e a psiquiatria transformou-se
totalmente. Essas drogas, no entanto, não haviam sido
desenvolvidas para tratar doenças mentais. Elas foram derivadas
de remédios destinados ao combate a infecções, e descobriu-se
por acaso que alteravam o estado mental.
No início, ninguém tinha ideia de como funcionavam. Elas
simplesmente embotavam sintomas mentais perturbadores. Durante a
década seguinte, os pesquisadores descobriram que essas drogas
afectavam os níveis de certas substâncias químicas no cérebro.
Um pouco de pano de fundo, e necessariamente muito simplificado:
o cérebro contém biliões de células nervosas, os neurónios,
distribuídos em redes complexas, que se comunicam constantemente
uns com os outros. O neurónio típico tem múltiplas extensões
filamentosas (uma chamada axónio e as outras chamadas
dendrites), por meio das quais ele envia e recebe sinais de
outros neurónios. Para um neurónio se comunicar com outro, no
entanto, o sinal deve ser transmitido através do minúsculo
espaço que os separa, a sinapse. Para conseguir isso, o axónio
do neurónio liberta na sinapse uma substância química chamada
neurotransmissor.
O neurotransmissor atravessa a sinapse e liga-se a receptores no
segundo neurónio, muitas vezes um dendrito, activando ou
inibindo a célula receptora. Os axónios têm vários terminais e,
desse modo, cada neurónio tem múltiplas sinapses. Depois, o
neurotransmissor é reabsorvido pelo primeiro neurónio ou
metabolizado pelas enzimas, de tal modo que o status quo
anterior é restaurado.
Quando se descobriu que as drogas psicoactivas afectam os níveis
de neurotransmissores, surgiu a teoria de que a causa da doença
mental é uma anormalidade na concentração cerebral desses
elementos químicos, a qual é combatida pelo medicamento
apropriado.
Por exemplo: como o Thorazine diminui os níveis de dopamina no
cérebro, postulou-se que psicoses como a esquizofrenia são
causadas por excesso de dopamina. Ou então: tendo em vista que
alguns antidepressivos aumentam os níveis do neurotransmissor
chamado serotonina, defendeu-se que a depressão é causada pela
escassez de serotonina. Antidepressivos como o Prozac ou o
Celexa impedem a reabsorção de serotonina pelos neurónios que a
libertam e assim ela permanece mais nas sinapses e activa outros
neurónios. Deste modo, em vez de desenvolver um medicamento para
tratar uma anormalidade, uma anormalidade foi postulada para se
adequar a um medicamento.
Trata-se de uma grande pirueta lógica, como apontam os três
autores. Era perfeitamente possível que as drogas que afectam os
níveis dos neurotransmissores pudessem aliviar os sintomas,
mesmo que os neurotransmissores não tivessem nada a ver com a
doença. Como escreve Carlat: “Por essa mesma lógica, se
poderia argumentar que a causa de todos os estados de dor é uma
deficiência de opiáceos, uma vez que analgésicos narcóticos
activam os receptores de opiáceos do cérebro.” Ou, do mesmo
modo, se poderia dizer que as febres são causadas pela escassez
de aspirina.
Mas o principal problema com esta teoria é que, após décadas a
tentar prová-la, os pesquisadores ainda estão de mãos vazias. Os
três autores documentam o fracasso dos cientistas para encontrar
boas provas a seu favor. Antes do tratamento, a função dos
neurotransmissores parece ser normal nas pessoas com doença
mental. Nas palavras de Whitaker: "Antes do tratamento, os
pacientes diagnosticados com depressão, esquizofrenia e outros
transtornos psiquiátricos não sofrem nenhum “desequilíbrio
químico”. No entanto, depois de uma pessoa passar a tomar
medicação psiquiátrica, que perturba a mecânica normal de uma
via neuronal, o seu cérebro começa a funcionar… anormalmente".
Carlat refere-se à teoria do desequilíbrio químico como um
“mito” (que ele chama “conveniente” porque reduziria o estigma
da doença mental). E Kirsch, cujo livro se centra na depressão,
resume a questão assim: “Parece fora de dúvida que o conceito
tradicional de considerar a depressão como um desequilíbrio
químico no cérebro está simplesmente errado.” (O motivo da
persistência dessa teoria, apesar da falta de provas, é um tema
que tratarei adiante.)
Os remédios funcionam? Afinal de contas, independentemente da
teoria, essa é a questão prática. No seu livro seco e
extremamente cativante, The Emperor’s New Drugs [As Novas Drogas
do Imperador], Kirsch descreve os seus quinze anos de pesquisa
científica para responder a essa pergunta, no que diz respeito
aos antidepressivos.
Quando começou o trabalho em 1995, o seu principal interesse
eram os efeitos dos placebos. Para estudá-los, ele e um colega
reviram 38 ensaios clínicos que comparavam vários tratamentos da
depressão com placebos, ou comparavam a psicoterapia com nenhum
tratamento. A maioria dessas experiências durava de seis a oito
semanas, e durante esse período os pacientes tendiam a melhorar
um pouco, mesmo se não tivessem nenhum tratamento.
Mas Kirsch descobriu que os placebos eram três vezes mais
eficazes do que a ausência de tratamento. Isso não o
surpreendeu. O que o surpreendeu mesmo foi que os
antidepressivos foram apenas marginalmente mais úteis do que os
placebos: 75% dos placebos foram tão eficazes quanto os
antidepressivos. Kirsch resolveu então repetir o estudo, dessa
vez com a análise de um conjunto de dados mais completo e
padronizado.
Os dados que ele usou foram obtidos da Food and Drug
Administration, a FDA [o órgão público americano encarregado do
licenciamento e controle de medicamentos]. Quando buscam a
aprovação da FDA para comercializar um novo remédio, os
laboratórios farmacêuticos devem apresentar à agência todos os
testes clínicos que patrocinaram. Os testes são geralmente
duplo-cego e controlados com placebo. Ou seja: os pacientes
participantes recebem aleatoriamente a droga ou o placebo, e nem
eles nem os seus médicos sabem o que receberam.
Os pacientes são informados de que receberão ou um medicamento
activo ou um placebo. E também são avisados dos efeitos
colaterais que podem ocorrer. Se dois testes comprovam que o
medicamento é mais eficaz do que o placebo, ele é geralmente
aprovado. Mas os laboratórios podem patrocinar quantos testes
quiserem, e a maioria deles pode dar negativo – isto é, não
mostrar a eficácia do remédio. Tudo o que eles precisam é de
dois testes com resultados positivos. (Os resultados dos testes
de um mesmo medicamento podem variar por muitas razões, entre
elas a forma como o ensaio foi concebido e realizado, o seu
tamanho e os tipos de pacientes pesquisados.)
Por razões óbvias, as indústrias farmacêuticas fazem questão de
que os seus testes positivos sejam publicados em revistas
médicas, e os médicos fiquem a saber deles. Já os testes
negativos ficam nas gavetas da FDA, que os considera propriedade
privada e, portanto, confidenciais. Essa prática distorce a
literatura médica, o ensino da medicina e as decisões de
tratamento.
Kirsch e os seus colegas usaram a Lei de Liberdade de Informação
para obter as revisões da FDA de todos os testes clínicos
controlados por placebo, positivos ou negativos, submetidos para
a aprovação dos seis antidepressivos mais utilizados, aprovados
entre 1987 e 1999: Prozac, Paxil, Zoloft, Celexa, Serzone e
Effexor.
Ao todo, havia 42 testes das seis drogas. A maioria deles era
negativo. No total, os placebos eram 82% tão eficazes quanto os
medicamentos, tal como medido pela Escala de Depressão de
Hamilton, uma classificação dos sintomas de depressão amplamente
utilizada. A diferença média entre remédio e placebo era de
apenas 1,8 pontos na Escala, uma diferença que, embora
estatisticamente significativa, era insignificante do ponto de
vista clínico. Os resultados foram quase os mesmos para as seis
drogas: todos igualmente inexpressivos. No entanto, como os
estudos positivos foram amplamente divulgados, enquanto os
negativos eram escondidos, o público e os médicos passaram a
acreditar que esses medicamentos antidepressivos eram altamente
eficazes.
Kirsch ficou impressionado com outro achado inesperado. No seu
estudo anterior, e em trabalhos de outros, observara que até
mesmo os tratamentos com substâncias que não eram consideradas
antidepressivas – como hormonas sintéticas da tiróide, opiáceos,
sedativos, estimulantes e algumas ervas medicinais – eram tão
eficazes quanto os antidepressivos para aliviar os sintomas da
depressão. Kirsch escreve: “Quando administrados como
antidepressivos, remédios que aumentam, diminuem ou não têm
nenhuma influência sobre a serotonina, aliviam a depressão mais
ou menos no mesmo grau.”
O que todos estes medicamentos “eficazes” tinham em comum era
que produziam efeitos colaterais, sobre os quais os pacientes
participantes haviam sido informados de que poderiam ocorrer.
Diante da descoberta de que quase qualquer comprimido com
efeitos colaterais era ligeiramente mais eficaz no tratamento da
depressão do que um placebo, Kirsch especulou que a presença de
efeitos colaterais em indivíduos que recebem medicamentos lhes
permitia adivinhar que recebiam tratamento activo – e isso foi
corroborado por entrevistas com pacientes e médicos –, o que os
tornava mais propensos a relatar uma melhora. Ele sugere que a
razão pela qual os antidepressivos parecem funcionar melhor no
alívio de depressão grave do que em casos menos graves é que os
pacientes com sintomas graves provavelmente tomam doses mais
elevadas e, portanto, sofrem mais efeitos colaterais.
Para investigar melhor se os efeitos colaterais distorciam as
respostas, Kirsch analisou alguns ensaios que utilizaram
placebos “activos”, em vez de inertes. Um placebo activo é
aquele que produz efeitos colaterais, como a atropina – droga
que bloqueia a acção de certos tipos de fibras nervosas. Apesar
de não ser um antidepressivo, a atropina causa, entre outras
coisas, secura da boca. Em testes utilizando a atropina como
placebo, não houve diferença entre os antidepressivos e o
placebo activo. Todos tinham efeitos colaterais, e todos
relataram o mesmo nível de melhora.
Kirsch registou outras descobertas estranhas em testes clínicos
de antidepressivos, entre elas o facto de que não há nenhuma
curva de dose-resposta, ou seja, altas doses não funcionavam
melhor do que as baixas, o que é extremamente improvável para
medicamentos eficazes.
“Ao juntar-se tudo isso”, escreve Kirsch, “chega-se à conclusão
de que a diferença relativamente pequena entre medicamentos e
placebos pode não ser um efeito verdadeiro do remédio. Em vez
disso, pode ser um efeito placebo acentuado, produzido pelo
facto de que alguns pacientes passaram a perceber que recebiam
medicamentos ou placebos. Se for este o caso, então não há
nenhum efeito antidepressivo dos medicamentos. Em vez de
compararmos placebo com remédio, estávamos a comparar placebos
‘normais’ com placebos ‘extra fortes’.”
Trata-se de uma conclusão surpreendente, que desafia a opinião
médica, mas Kirsch chega a ela de uma forma cuidadosa e lógica.
Psiquiatras que usam antidepressivos – e isso significa a
maioria deles – e pacientes que os tomam talvez insistam que
sabem por experiência clínica que os medicamentos funcionam.
Mas casos individuais são uma forma traiçoeira de avaliar
tratamentos médicos, pois estão sujeitos a distorções. Eles
podem sugerir hipóteses a serem estudadas, mas não podem
prová-las. É por isso que o desenvolvimento do teste clínico
duplo-cego, aleatório e controlado com placebo, foi um avanço
tão importante na ciência médica, em meados do século passado.
Histórias sobre sanguessugas, megadoses de vitamina, ou vários
outros tratamentos populares não suportariam o escrutínio de
testes bem planeados. Kirsch é um defensor devotado do método
científico e a sua voz, portanto, traz objectividade a um tema
muitas vezes influenciado por subjectividade, emoções ou, como
veremos, interesses pessoais.
O livro de Whitaker, Anatomy of an Epidemic [Anatomia de uma
Epidemia], é mais amplo e polémico. Ele tem em conta todas as
doenças mentais, não apenas a depressão. Enquanto Kirsch conclui
que os antidepressivos não são provavelmente mais eficazes do
que os placebos, Whitaker conclui que eles e a maioria das
drogas psicoactivas não são apenas ineficazes, mas prejudiciais.
Whitaker começa por observar que, se o tratamento de doenças
mentais por meio de medicamentos disparou, o mesmo aconteceu com
as patologias tratadas:
O número de doentes mentais incapacitados aumentou imensamente
desde 1955 e durante as duas últimas décadas, período em que a
prescrição de medicamentos psiquiátricos explodiu e o número de
adultos e crianças incapacitados por doença mental aumentou a
uma taxa alucinante. Assim, chegamos a uma pergunta óbvia,
embora herética: o paradigma de tratamento baseado em drogas
poderia estar a alimentar, de alguma maneira imprevista, esta
praga dos tempos modernos?
Além disso, Whitaker sustenta que a história natural da doença
mental mudou. Enquanto transtornos como esquizofrenia e
depressão eram outrora episódicos, e cada episódio durava não
mais de seis meses, sendo intercalado por longos períodos de
normalidade, os distúrbios agora são crónicos e duram a vida
inteira. Whitaker acredita que isso talvez aconteça porque os
medicamentos, mesmo aqueles que aliviam os sintomas a curto
prazo, a longo prazo causam danos mentais que continuam depois
de a doença se ter resolvido naturalmente.
As provas que ele apresenta para essa teoria variam em
qualidade. Whitaker não reconhece suficientemente a dificuldade
de estudar a história natural de qualquer doença durante um
período de cinquenta anos, no qual muitas circunstâncias
mudaram, além do uso de medicamentos. É ainda mais difícil
comparar resultados a longo prazo de pacientes tratados e não
tratados. No entanto, os indícios de Whitaker são sugestivos, se
não conclusivos.
Se as
drogas psicoactivas causam danos, como afirma Whitaker, qual é o
seu mecanismo? A resposta, acredita ele, encontra-se nos seus
efeitos sobre os neurotransmissores. É bem sabido que as drogas
psicoactivas perturbam os neurotransmissores, mesmo que essa não
seja a primeira causa da doença.
Whitaker descreve uma cadeia de efeitos. Quando, por exemplo, um
antidepressivo como o Celexa aumenta os níveis de serotonina nas
sinapses, ele estimula mudanças compensatórias por meio de um
processo chamado feedback negativo. Em reacção aos altos níveis
de serotonina, os neurónios que a secretam libertam menos dela,
e os neurónios pós-sinápticos tornam-se insensíveis a ela. Na
verdade, o cérebro está a tentar anular os efeitos da droga. O
mesmo é válido para os medicamentos que bloqueiam
neurotransmissores, excepto no sentido inverso.
A maioria dos antipsicóticos, por exemplo, bloqueia a dopamina,
mas os neurónios pré-sinápticos compensam isso libertando mais
dopamina, e os neurónios pós-sinápticos aceitam-na com mais
avidez.
As consequências do uso prolongado de drogas psicoactivas, nas
palavras de Steve Hyman, até recentemente reitor da Universidade
de Harvard, são “alterações substanciais e de longa duração na
função neural”.
Depois de várias semanas de drogas psicoactivas, os esforços de
compensação do cérebro começam a falhar e surgem efeitos
colaterais que reflectem o mecanismo de acção dos medicamentos.
Os antipsicóticos causam efeitos secundários que se assemelham
ao mal de Parkinson, por causa do esgotamento de dopamina (que
também se esgota no Parkinson). À medida que surgem efeitos
colaterais, eles são tratados por outros medicamentos, e muitos
pacientes acabam por tomar um coctail de drogas psicoactivas,
prescrito para um coctail de diagnósticos. Os episódios de mania
causada por antidepressivos podem levar a um novo diagnóstico de
“transtorno bipolar” e ao tratamento com um “estabilizador de
humor”, como Depokote (anticonvulsivo), acompanhado de uma das
novas drogas antipsicóticas. E assim por diante.
A respeitada pesquisadora Nancy Andreasen e os seus colegas
publicaram indícios de que o uso de antipsicóticos está
associado ao encolhimento do cérebro, e que o efeito está
directamente relacionado com a dose e a duração do tratamento.
Como Andreasen explicou ao New York Times: “O córtex
pré-frontal não obtém o que precisa e vai sendo fechado pelos
medicamentos. Isso reduz os sintomas psicóticos. E faz também
com que o córtex pré-frontal se atrofie lentamente.”
Largar os remédios é extremamente difícil, segundo Whitaker,
porque quando eles são retirados, os mecanismos compensatórios
ficam sem oposição. Quando se retira o Celexa, os níveis de
serotonina caem bruscamente porque os neurónios pré-sinápticos
não estão a libertar quantidades normais. Da mesma forma, quando
se suspende um antipsicótico, os níveis de dopamina podem
disparar. Os sintomas produzidos pela retirada das drogas
psicoactivas são confundidos com recaídas da doença original, o
que pode levar os psiquiatras a retomar o tratamento com
remédios, talvez em doses mais elevadas.
Whitaker está indignado com o que considera uma epidemia
iatrogénica (isto é, introduzida inadvertidamente pelos médicos)
de disfunção cerebral, especialmente a causada pelo uso
generalizado dos novos antipsicóticos, como o Zyprexa, que
provoca graves efeitos colaterais. Eis o que ele chama de
“experiência de pensamento rápido”: Imagine que aparece de
repente um vírus que faz com que as pessoas durmam doze, catorze
horas por dia. As pessoas infectadas movimentam-se devagar e
parecem emocionalmente desligadas. Muitas ganham quantidades
imensas de peso – 10, 20 e até 50 quilos. Os seus níveis de
açúcar no sangue disparam, assim como os de colesterol.
Vários dos atingidos pela doença misteriosa – entre eles,
crianças e adolescentes –tornam-se diabéticos. O governo federal
dá centenas de milhões de dólares aos cientistas para decifrar o
funcionamento do vírus, e eles relatam que ele bloqueia uma
multidão de receptores no cérebro. Enquanto isso, exames de
ressonância magnética descobrem que, ao longo de vários anos, o
vírus encolhe o córtex cerebral, e esta diminuição está ligada
ao declínio cognitivo. O público aterrorizado clama por uma
cura.
Ora, essa doença está, de facto, atingindo milhões de crianças e
adultos. Acabamos de descrever os efeitos do antipsicótico
Zyprexa, um dos mais vendidos do laboratório Eli Lilly.
Leon Eisenberg, professor da Universidade Johns Hopkins e da
Escola de Medicina de Harvard, escreveu que a psiquiatria
americana passou, no final do século XX, de uma fase
“descerebrada” para uma “desmentalizada”. Ele quis dizer que,
antes das drogas psicoactivas, os psiquiatras tinham pouco
interesse pelos neurotransmissores ou outros aspectos físicos do
cérebro. Em vez disso, aceitavam a visão freudiana de que a
doença mental tinha as suas raízes em conflitos inconscientes,
geralmente com origem na infância, que afectavam a mente como se
ela fosse separada do cérebro.
Com a entrada em cena dessas drogas, na década de 50 – processo
que se acelerou na década de 80 –, o foco mudou para o cérebro.
Os psiquiatras começaram a referir-se a si mesmos como
psicofarmacologistas, e interessaram-se cada vez menos pelas
histórias de vida dos pacientes.
A preocupação deles era eliminar ou reduzir os sintomas,
tratando os pacientes com medicamentos que alterariam a função
cerebral. Tendo sido um dos primeiros defensores do modelo
biológico de doença mental, Eisenberg veio a tornar-se um
crítico do uso indiscriminado de drogas psicoactivas,
impulsionado pelas maquinações da indústria farmacêutica.
Quando as drogas psicoactivas surgiram, houve um período de
optimismo na profissão psiquiátrica, mas na década de 70 o
optimismo deu lugar a uma sensação de ameaça. Ficaram claros os
graves efeitos colaterais dos medicamentos e um movimento de
antipsiquiatria lançou raízes, como exemplificam os escritos de
Thomas Szasz e o filme Voando sobre um Ninho de Cucos.
Havia também a concorrência crescente de psicólogos e
terapeutas. Além disso, os psiquiatras sofreram divisões
internas: alguns abraçaram o modelo biológico, outros
agarraram-se ao modelo freudiano, e uns poucos viam a doença
mental como uma resposta sadia a um mundo insano. Além disso,
dentro da medicina, os psiquiatras eram considerados uma espécie
de parentes pobres: mesmo com as suas novas drogas, eram vistos
como menos científicos do que os outros especialistas, e os seus
rendimentos eram geralmente mais baixos.
No final da década de 70, os psiquiatras contra-atacaram, e com
força. Como conta Robert Whitaker em Anatomy of an Epidemic, o
director médico da Associação Americana de Psiquiatria, Melvin
Sabshin, declarou, em 1977: “Devemos apoiar fortemente um
esforço vigoroso para remedicalizar a psiquiatria.” E lançou
uma campanha maciça de relações públicas para fazer exactamente
isso.
A psiquiatria detinha uma arma poderosa, que os seus
concorrentes não podiam ter. Como cursaram medicina, os
psiquiatras têm autoridade legal para prescrever receitas. Ao
abraçar o modelo biológico da doença mental, e o uso de drogas
psicoactivas para tratá-la, a psiquiatria conseguiu relegar os
outros prestadores de serviços de saúde mental para cargos
secundários. E apresentou-se também como uma disciplina
científica. E, o que é mais importante, ao enfatizar o
tratamento medicamentoso, a psiquiatria tornou-se a queridinha
da indústria farmacêutica, que tornou logo tangível a sua
gratidão.
A Associação Americana de Psiquiatria, a APA, estava então a
preparar a terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico
de Transtornos Mentais, o DSM, que estabelece os critérios de
diagnóstico para todos os transtornos mentais. O presidente da
Associação havia indicado Robert Spitzer, eminente professor de
psiquiatria da Universidade de Columbia, para chefiar a equipa
que supervisionaria o Manual.
As duas primeiras edições, publicadas em 1952 e 1968, reflectiam
a visão freudiana da doença mental e eram pouco conhecidas fora
da profissão. Spitzer decidiu fazer da terceira edição, o
DSM-III, algo bem diferente. Ele prometeu que o Manual seria
“uma defesa do modelo médico aplicado a problemas
psiquiátricos”, e o presidente da Associação, Jack Weinberg,
disse que ele “deixaria claro para quem tivesse dúvidas que
consideramos a psiquiatria uma especialidade da medicina”.
Quando foi publicado, em 1980, o DSM-III continha 265
diagnósticos (acima dos 182 da edição anterior) e teve logo um
uso quase universal: não apenas por parte de psiquiatras, mas
também por companhias de seguros, hospitais, tribunais, prisões,
escolas, pesquisadores, agências governamentais e médicos de
todas as especialidades. O seu principal objectivo era trazer
coerência (normalmente chamada “confiabilidade”) ao diagnóstico
psiquiátrico. Ou seja, garantir que os psiquiatras que viam o
mesmo paciente concordassem com o diagnóstico. Para isso, cada
diagnóstico era definido por uma lista de sintomas, com limites
numéricos. Por exemplo, ter pelo menos cinco de nove sintomas
determinados garantia ao paciente um diagnóstico definitivo de
episódio depressivo dentro da ampla categoria de “transtornos do
humor”.
Mas havia outro objectivo: justificar o uso de drogas
psicoactivas. Com efeito, Carol Bernstein, a presidente da APA,
reconheceu isso ao escrever: “Na década de 70, foi preciso
facilitar um acordo sobre diagnósticos entre clínicos,
cientistas e autoridades reguladoras, dada a necessidade de
ligar os pacientes aos novos tratamentos farmacológicos.”
A terceira edição do Manual era talvez mais “confiável” do que
as versões anteriores, mas confiabilidade não é a mesma coisa
que validade. O termo confiabilidade é usado como sinónimo de
“coerência”; validade refere-se à correcção ou solidez. Se todos
os médicos concordassem que as sardas são um sinal de cancro, o
diagnóstico seria “confiável”, mas não válido.
O problema com o Manual é que, em todas as suas edições, ele
simplesmente reflectia as opiniões dos seus autores. E, no caso
do DSM-III, sobretudo as opiniões do próprio Spitzer, que foi
apontado com justiça como um dos psiquiatras mais influentes do
século XX. Nas suas palavras, ele “agarrou todo mundo com quem
se sentia à vontade” para participar da equipa de quinze
membros, e houve queixas de que ele convocou poucas reuniões e
conduziu o processo de uma maneira desordenada, mas ditatorial.
Num artigo de 1984 intitulado “As desvantagens do DSM-III
superam as suas vantagens”, George Vaillant, professor de
psiquiatria de Harvard, afirmou que o DSM-III representou “uma
audaciosa série de escolhas baseadas em palpite, gosto,
preconceito e esperança”, o que parece ser uma boa descrição.
O DSM tornou-se a bíblia da psiquiatria e, tal como a Bíblia
cristã, dependia muito de algo parecido com a fé: não há nele
citações de estudos científicos para sustentar as suas decisões.
É uma omissão espantosa, porque em todas as publicações médicas,
sejam revistas ou livros didácticos, as declarações de factos
devem estar apoiadas em referências comprováveis. (Há quatro
“livros de consulta” separados para a edição actual do DSM, que
apresentam a razão para algumas decisões, juntamente com
referências, mas isso não é a mesma coisa que referências
específicas.)
Pode ser de muito interesse para um grupo de especialistas
reunir-se e dar as suas opiniões, mas a menos que essas opiniões
possam ser sustentadas por provas, elas não autorizam a
extraordinária deferência dedicada ao DSM. “A cada edição
subsequente”, escreve Daniel Carlat, “o número de categorias de
diagnósticos multiplicava-se, e os livros tornaram-se maiores e
mais caros. Cada um deles se tornou um best-seller, e o DSM é
hoje uma das principais fontes de renda da Associação Americana
de Psiquiatria.” O Manual actual, o DSM-IV, vendeu mais de 1
milhão de exemplares.
Os laboratórios farmacêuticos passaram a dar toda a atenção e
generosidade aos psiquiatras, tanto individual como
colectivamente, directa e indirectamente. Choveram presentes e
amostras grátis, contratos de consultores e palestrantes,
refeições, ajudas para participar em conferências. Quando os
estados do Minnesota e Vermont implantaram “leis de
transparência”, que exigem que os laboratórios informem todos os
pagamentos a médicos, descobriu-se que os psiquiatras recebiam
mais dinheiro do que os médicos de qualquer outra especialidade.
A indústria farmacêutica também subsidia as reuniões da APA e
outras conferências psiquiátricas. Cerca de um quinto do
financiamento da APA vem agora da indústria farmacêutica.
Os laboratórios procuram conquistar psiquiatras de centros
médicos universitários de prestígio. Chamados pela indústria de
“líderes-chave de opinião”, eles são os profissionais que, por
meio do que escrevem e ensinam, influenciam o tratamento das
doenças mentais. Eles também publicam grande parte da pesquisa
clínica sobre medicamentos e, o que é fundamental, determinam o
conteúdo do DSM. Em certo sentido, eles são a melhor equipa de
vendas que a indústria poderia ter e valem cada centavo gasto
com eles. Dos 170 colaboradores da versão actual do DSM, dos
quais quase todos poderiam ser descritos como líderes-chave, 95
tinham vínculos financeiros com laboratórios farmacêuticos,
inclusive todos os colaboradores das secções sobre transtornos
de humor e esquizofrenia.
Carlat pergunta: “Por que estão os psiquiatras na frente de
todos os outros especialistas quando se trata de receber
dinheiro dos laboratórios?” A sua resposta: “Os nossos
diagnósticos são subjectivos e expansíveis, e temos poucas
razões racionais para a escolha de um tratamento em relação a
outro.” Ao contrário das enfermidades tratadas pela maioria dos
outros ramos da medicina, não há sinais ou exames objectivos
para as doenças mentais – nenhum dado de laboratório ou
descoberta por ressonância magnética – e as fronteiras entre o
normal e o anormal são muitas vezes pouco claras. Isso torna
possível expandir as fronteiras do diagnóstico ou até mesmo
criar novas diagnoses, de uma forma que seria impossível, por
exemplo, num campo como a cardiologia. E as empresas
farmacêuticas têm todo o interesse em induzir os psiquiatras a
fazer exactamente isso.
Além do dinheiro gasto com os psiquiatras, os laboratórios
apoiam muitos grupos de defesa de pacientes e organizações
educacionais. Whitaker informa que, somente no primeiro
trimestre de 2009, o “Eli Lilly deu 551 mil dólares à Aliança
Nacional para Doenças Mentais, 465 mil dólares para a Associação
Nacional de Saúde Mental, 130 mil dólares para um grupo de
defesa dos pacientes de deficit de atenção/hiperactividade, e 69
250 dólares para a Fundação Americana de Prevenção do Suicídio”.
E isso foi o que apenas um laboratório gastou em três meses;
pode imaginar-se qual deve ser o total anual de todas as
empresas que produzem drogas psicoactivas. Esses grupos
aparentemente existem para consciencializar a opinião pública
sobre transtornos psiquiátricos, mas também têm o efeito de
promover o uso de drogas psicoactivas e influenciar os planos de
saúde para os cobrir.
Como a maioria dos psiquiatras, Carlat trata os seus pacientes
apenas com medicamentos, sem terapia de conversa, e é sincero a
respeito das vantagens de fazer isso. Ele calcula que, se
atender três pacientes por hora com psicofarmacologia, ganha
cerca de 180 dólares por hora dos planos de saúde. Em
contrapartida, poderia atender apenas um paciente por hora com
terapia de conversa, pela qual os planos lhe pagariam menos de
100 dólares. Carlat não acredita que a psicofarmacologia seja
particularmente complicada, muito menos precisa, embora o
público seja levado a acreditar que é.
O seu trabalho consiste em fazer uma série de perguntas aos
pacientes sobre os seus sintomas, para ver se eles combinam com
algum dos transtornos catalogados no DSM. Esse exercício de
correspondência, diz ele, propicia “a ilusão de que
compreendemos os nossos pacientes, quando tudo o que estamos a
fazer é atribuir-lhes rótulos”. Muitas vezes os pacientes
preenchem critérios para mais do que um diagnóstico, porque há
sobreposição de sintomas.
Um dos pacientes de Carlat acabou por ter sete diagnósticos
distintos. “Nós divisamos sintomas distintos com os tratamentos
e são adicionados outros medicamentos para tratar os efeitos
colaterais.” Um paciente típico, diz ele, pode estar a tomar
Celexa para a depressão, Ativan para a ansiedade, Ambien para a
insónia, Provigil para a fadiga (um efeito colateral do Celexa)
e Viagra para a impotência (outro efeito colateral do Celexa).
Quanto aos próprios medicamentos, Carlat escreve que “há apenas
um punhado de categorias guarda-chuva de drogas psicotrópicas”,
sob as quais os medicamentos não são muito diferentes uns dos
outros. Ele não acredita que exista muita base para escolher
entre eles. E resume: “Assim é a moderna psicofarmacologia.
Guiados apenas por sintomas, tentamos diferentes medicamentos,
sem nenhuma concepção verdadeira do que estamos a tentar
corrigir, ou de como as drogas estão a funcionar. Espanto-me que
sejamos tão eficazes para tantos pacientes.”
Carlat passa então a especular, como Kirsch em The Emperor’s New
Drugs, que os pacientes talvez estejam a responder a um efeito
placebo activado. Se as drogas psicoactivas não são tudo o que é
alardeado – e os indícios indicam que não são –, o que acontece
com os próprios diagnósticos? Como se multiplicam eles a cada
edição do DSM?
Em 1999, a APA começou a trabalhar na sua quinta revisão do DSM,
programado para ser publicado em 2013. A equipa de 27 membros é
chefiada por David Kupfer, professor de psiquiatria da
Universidade de Pittsburgh. Tal como nas edições anteriores, a
equipa é assessorada por vários grupos de trabalho, que agora
totalizam cerca de 140 membros, correspondentes às categorias
principais de diagnóstico. As deliberações e propostas em curso
foram amplamente divulgadas, e parece que a constelação de
transtornos mentais vai crescer ainda mais.
Em particular, os limites dos diagnósticos serão ampliados para
incluir os precursores dos transtornos, tais como “síndrome do
risco de psicose” e “transtorno cognitivo leve” (possível início
do mal de Alzheimer). O termo “espectro” é usado para ampliar
categorias, e temos, por exemplo, “espectro de transtorno
obsessivo-compulsivo”, “transtorno do espectro da esquizofrenia”
e “transtorno do espectro do autismo”. E há propostas para a
inclusão de distúrbios totalmente novos, como “transtorno
hipersexual”, “síndrome das pernas inquietas” e “compulsão
alimentar”. Até mesmo Allen Frances, presidente da equipa do
DSM-IV, escreveu que a próxima edição do Manual será uma “mina
de ouro para a indústria farmacêutica”.
A indústria farmacêutica influencia psiquiatras a receitar
drogas psicoactivas até mesmo a pacientes para os quais os
medicamentos não foram considerados seguros e eficazes. O que
deveria preocupar enormemente é o aumento espantoso do
diagnóstico e tratamento de doenças mentais em crianças, algumas
com apenas 2 anos de idade. Essas crianças são tratadas muitas
vezes com medicamentos que nunca foram aprovados pela FDA para
uso nessa faixa etária, e têm efeitos colaterais graves. A
prevalência de “transtorno bipolar juvenil” aumentou quarenta
vezes entre 1993 e 2004, e a de “autismo” aumentou de 1 em 500
crianças para 1 em 90 ao longo da mesma década. Dez por cento
dos meninos de 10 anos de idade tomam agora estimulantes diários
para o transtorno de deficit de atenção/hiperactividade.
Seria muito difícil encontrar uma criança de 2 anos que não seja
às vezes irritante, um menino de 5ª série que não seja
ocasionalmente desatento, ou uma menina no ensino médio que não
seja ansiosa. Rotular essas crianças como tendo um transtorno
mental e tratá-las com medicamentos depende muito de quem elas
são e das pressões que os seus pais enfrentam.
Como as famílias de baixos rendimentos estão a passar por
dificuldades económicas crescentes, muitas descobriram que o
pedido de renda de seguro suplementar com base na invalidez
mental é a única maneira de sobreviver. Segundo um estudo da
Universidade Rutgers, descobriu-se que as crianças de famílias
de baixa renda têm quatro vezes mais probabilidade de receber
medicamentos antipsicóticos do que crianças com plano de saúde
privado.
Os livros de Irving Kirsch, Robert Whitaker e Daniel Carlat são
acusações enérgicas ao modo como a psiquiatria é praticada hoje
em dia. Eles documentam o “frenesi” do diagnóstico, o uso
excessivo de medicamentos com efeitos colaterais devastadores e
os conflitos de interesse generalizados. Os críticos podem
argumentar, como Nancy Andreasen o faz no seu artigo sobre a
perda de tecido cerebral no tratamento antipsicótico de longo
prazo, que os efeitos colaterais são o preço que se deve pagar
para aliviar o sofrimento causado pela doença mental. Se
soubéssemos que os benefícios das drogas psicoactivas superam os
seus danos, isso seria um argumento forte, uma vez que não há
dúvida de que muitas pessoas sofrem gravemente com doenças
mentais. Mas como Kirsch, Whitaker e Carlat argumentam, essa
expectativa pode estar errada.
No mínimo, precisamos parar de pensar que as drogas psicoactivas
são o melhor e, muitas vezes, o único tratamento para as doenças
mentais. Tanto a psicoterapia como os exercícios físicos se têm
mostrado tão eficazes quanto os medicamentos para a depressão, e
os seus efeitos são mais duradouros. Mas, infelizmente, não
existe indústria que promova essas alternativas. São necessárias
mais pesquisas para estudar alternativas às drogas psicoactivas.
Em particular, precisamos repensar o tratamento das crianças.
Nesse ponto, o problema é muitas vezes uma família perturbada em
circunstâncias conturbadas. Tratamentos voltados para essas
condições ambientais – como auxílio individual para os pais ou
centros pós-escola para as crianças – devem ser estudados e
comparados com o tratamento farmacológico.
A longo prazo, essas alternativas seriam provavelmente mais
baratas. A nossa confiança nas drogas psicoactivas, receitadas
para todos os descontentes com a vida, tende a excluir as outras
opções. Em vista dos riscos e da eficácia questionável dos
medicamentos a longo prazo, precisamos fazer melhor do que isso.
Acima de tudo, devemos lembrar o consagrado ditado médico: em
primeiro lugar, não causar dano (primum non nocere).
[1] Marcia Angell, MD (nascida em 1939) é uma médica americana, escritora e a primeira mulher a servir como editor-chefe do New England Journal of Medicine (NEJM). Actualmente é professora titular no Departamento de Medicina Social da Harvard Medical School em Boston, Massachusetts.
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